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O Brasil precisa sair da longa estagnação

06/11/2015
Tempo de leitura 13 min

Fonte: Valor

O problema de uma produtividade que cresce devagar demais dá o tom das análises do economista José Alexandre Scheinkman sobre o Brasil: além da força de trabalho com educação insuficiente e da tímida taxa de investimento, todos os vícios institucionais, legais, sociais e econômicos do país contribuem para que, desde a década de 1970, a economia brasileira tenha um desempenho inferior ao seu potencial.

De todas as reformas necessárias para enfrentar essa longa estagnação, três medidas de curto prazo são apresentadas como mais factíveis: 1) a integração à economia mundial, revertendo a histórica tendência brasileira ao protecionismo; 2) o incentivo à competição nos mercados internos, deixando de favorecer empresas estabelecidas; 3) a instalação de políticas de inovação eficazes, seguindo o modelo bem-sucedido da Embrapa.

Crítico ferrenho das escolhas de política econômica tomadas pela primeira gestão da presidente Dilma Rousseff, o economista lamenta também os erros cometidos durante a preparação da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada do próximo ano. O maior deles, para o professor carioca, foi a incapacidade de despoluir a baía de Guanabara, que banha o Rio.

Scheinkman, de 67 anos, vive nos Estados Unidos desde a década de 70, foi professor na Universidade de Chicago e hoje leciona nas universidades Columbia e Princeton. Realizou pesquisas em diversas áreas, desde bolhas financeiras até a distribuição da criminalidade em áreas urbanas. Em 2002, em parceria com outros 16 economistas, publicou o livro “A Agenda Perdida”, em que se discutiam as causas e as soluções da dificuldade que o Brasil tem para crescer. No mesmo ano, foi assessor econômico de Ciro Gomes, que era candidato à Presidência da República.

Nesta semana, Scheinkman debate em São Paulo os problemas da economia brasileira, durante o lançamento da plataforma digital interativa Por Quê? (www.porque.com.br), que se propõe a apresentar a um público amplo os problemas cotidianos da economia em linguagem acessível. Desenvolvido pela Editora BEI, o projeto “pretende preencher uma lacuna de formação e oferecer instrumentos para uma avaliação racional dos caminhos e das propostas hoje em jogo no país”. O lançamento ocorre na sede da faculdade de economia do Insper. No mesmo dia, a BEI lança o livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”, de Bernardo Guimarães, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Valor: No ano passado o senhor comentou que o Brasil não estava tão bem em 2009 – como se dizia naquele momento – nem tão mal como pensávamos. Como estamos hoje?

José Alexandre Scheinkman: É verdade que estávamos pior do que se pensava no ano passado. E duas coisas aconteceram de lá para cá. Estamos pior do que parecia, acredito, embora eu fosse já bem pessimista. Mas também acho que o pessimismo aumentou mais ainda. O pessimismo e a situação real estão apostando corrida! O Brasil ainda tem muitas coisas boas e somos capazes de resolver os problemas atuais. A novidade é a crise política. Em 2014 não havia essa dificuldade suplementar.

Valor: Que problemas chamam atenção?

Scheinkman: Temos dois conjuntos mais urgentes. Primeiro, o do curto prazo: déficit fiscal, inflação, o que resta dos erros cometidos em nome da nova matriz econômica. Depois, um problema estrutural. Desde 1991, os gastos do governo crescem mais rápido do que a renda. Temos urgência de reformas para quebrar essa trajetória. Se não fizermos isso, vamos ter problemas sérios. Mas quero frisar o terceiro problema. Exceto em episódios curtos, o Brasil tem crescido pouco há quase quatro décadas. Nossa produtividade cresce menos até do que a dos países avançados. Tentamos alcançá-los, mas se nossa produtividade cresce menos, vamos sempre ficar comparativamente mais pobres. Outros países têm conseguido diminuir a distância de produtividade.

Valor: Quando as pessoas comentam esse problema, costumam insistir na educação.

Scheinkman: Educação é muito importante, mas não é a única coisa. O Brasil tem uma força de trabalho muito pouco educada e portanto menos produtiva. É um país que investe pouco e isso não ajuda a aumentar a produtividade. Além disso, mesmo considerando a educação e os investimentos que existem, produzimos pouco com os insumos que temos. Faltam insumos e os usamos mal.

Valor: Os investimentos foram mal alocados?

Scheinkman: Há muitas razões para o que acontece no Brasil. Vou enfatizar algumas. Primeiro, fizemos baixos investimentos em infraestrutura. Mesmo para um país que investe pouco, deveríamos ter investido mais em infraestrutura. Temos um sistema de impostos complicado, não é isonômico, faz a vida das empresas muito difícil. Temos um ambiente legal e regulatório complicado. Mas as três razões em que podemos agir no curto prazo são: primeiro, integrar o Brasil mais na economia global. Nossa falta de integração baixa a produtividade. Segundo, temos uma tradição de legislação que dificulta a competição, porque favorece as firmas estabelecidas. Terceiro, não temos uma política adequada de incentivo à inovação.

Valor: Qual é o efeito da falta de abertura?

Scheinkman: Nossas empresas não têm acesso a insumos mais baratos e melhores. Além disso, a falta de contato com o resto do mundo faz as nossas empresas terem menos know-how. Em grande medida o conhecimento que as empresas adquirem vem do comércio. Ou porque compram máquinas sofisticadas, que têm uma nova tecnologia, ou porque, no contato de importar e exportar, aprendem novos modos de trabalhar. As firmas ligadas ao comércio internacional aumentam sua produtividade através de novas tecnologias e métodos.

Valor: Isso se soma às cadeias globais de produção?

Scheinkman: Estamos ausentes delas. A produção hoje é descentralizada. A Apple faz telefones montados na China, mas com peça coreana, japonesa, design europeu, software americano. Temos uma história de protecionismo. A indústria automobilística é a única “indústria infantil” nascida em 1953. Está na idade da aposentadoria, mas as pessoas continuam com o argumento de proteger essa indústria para aprender como fazer. Na literatura econômica, esse é o argumento da indústria infantil: proteger por um tempo até ela ficar adulta e poder competir. Mas cada vez que se protege a indústria automobilística para fazer caminhão no Brasil, toda uma cadeia produtiva que usa caminhão no Brasil paga por isso.

Valor: E o problema da competição?

Scheinkman: Um exemplo recente é o desastre da chamada política de campeões nacionais, pela qual o Brasil escolhia algumas empresas e tornou muito difícil a outras competir. Os empréstimos do BNDES favoreceram empresas poderosas. É muito difícil abrir uma empresa no Brasil e cumprir as obrigações fiscais. Numa dada indústria, 75% dos ganhos de produtividade vêm da realocação de produção. Se uma só empresa fica mais produtiva, a média de produtividade não aumenta muito. Mas se grande parte do mercado mudar das concorrentes para ela, aí sim a produtividade cresce. As firmas mais produtivas ganham fatia de mercado. Assim a economia se torna mais eficiente.

Valor: No início do ano, economistas argumentavam que o ajuste fiscal anunciado deveria ser modesto em 2015 e estender-se pelos anos seguintes, porque ajuste ambicioso no curto prazo seria inviável e o mercado não faria fé. Hoje, o senhor acha que o planejamento está correto?

Scheinkman: Até agora, praticamente nada foi aprovado do ajuste. Mas uma coisa importante em qualquer política econômica é manter a credibilidade. A consistência entre o que se promete e o que é possível fazer é sempre uma vantagem. Um exemplo: pelo menos desde 2010 o Banco Central promete chegar ao centro da meta de inflação no ano seguinte. Todo ano essa promessa é feita. Como nunca cumpriram, a credibilidade do BC foi diminuída. Isso dificulta qualquer política de controle da inflação.

Valor: Esse foi o caso do ajuste fiscal?

Scheinkman: Logo quando se anunciou o ajuste, economistas apontaram que os números pareciam exagerados. Eu mesmo, em janeiro, achei que chegar a um ajuste tão grande, tão rápido, não era possível. Dizia-se que teria sido melhor propor um ajuste menor e continuado pelos anos. Foi o que o governo acabou fazendo, porque logo depois teve que revisar a meta.

Valor: Voltando à crise política: pode-se estimar o quanto contribui para inibir o investimento e, assim, perenizar a recessão?

Scheinkman: Não tenho como dar números, mas é evidente que a instabilidade política diminui o apetite para investimento, principalmente do investidor estrangeiro. As pautas-bomba também trazem grau de incerteza e tornam mais aguda a recessão. Se forem aprovadas algumas dessas medidas, a crise fiscal do governo fica ainda mais difícil. E ninguém vai querer investir numa economia que tem risco de crise fiscal no futuro próximo.

Valor: Um motor dos gastos nos últimos anos foram a Copa do Mundo e a Olimpíada. Esses eventos são mais prejudiciais ou benéficos?

Scheinkman: Estudos mostram que, em muitos países e muitas cidades, os gastos desses eventos, em particular os estádios, não se pagam, mesmo levando em consideração os efeitos colaterais. Mas fizemos ainda pior. Por exemplo, o estádio em Manaus. No ano passado houve poucos eventos lá. Nunca vai conseguir arrecadar algo compatível com o custo. Foi um desperdício grande. Como sou carioca, quero falar da Olimpíada: para mim, a grande pena é que ela teria valido a pena por si só se tivéssemos conseguido limpar a baía de Guanabara. O Rio tem toda uma região, ao norte, com infraestrutura, e com a baía limpa teria valorização enorme. Em vez disso, fizemos mais investimento na Barra da Tijuca.

Valor: Cujas lagoas estão poluídas…

Scheinkman: E também é uma maneira estúpida de expandir a cidade. Seria mais vantajoso fazer como Nova York, que recuperou o Brooklyn. É uma área enorme, que tinha uma infraestrutura muito boa. Só com intervenções ecológicas e melhoras na segurança se tornou uma área muito atrativa.

Valor: Há um projeto para a zona portuária.

Scheinkman: É muito pouco. O mais importante que se pode fazer no Rio é limpar a baía. Imagine morar na Ilha do Governador com a baía limpa, como ia ser agradável! Toda a Zona Norte. A zona portuária é uma área pequena. A limpeza da baía teria efeito sobre área enorme.

Valor: A economia urbana é um dos seus temas principais. Como vê as cidades brasileiras?

Scheinkman: São cidades difíceis. Privilegiamos o transporte individual, temos transporte público de má qualidade. As pessoas dão preferência ao carro. Houve abandono de áreas que poderiam ser preservadas ou restauradas, favorecendo que as pessoas morem cada vez mais longe do centro e percam tempo no transporte. As cidades brasileiras têm que ser repensadas. Não precisamos inventar muito. Várias cidades conseguiram melhorar com intervenções ecológicas. E é preciso repensar o transporte urbano, investindo em transporte público. Isso tem que ser combinado com medidas de diminuição do uso do automóvel. Até há pouco, as construções eram obrigadas a ter número mínimo de vagas. Em Nova York, têm um número máximo! Para desencorajar as pessoas de ter carro. A terceira coisa é a segurança.

Valor: O bônus demográfico está passando e crescemos abaixo do que podíamos. Vamos cair na armadilha da renda média?

Scheinkman: Em 2002, já se falava muito no bônus demográfico, quando a força de trabalho cresceu mais rapidamente do que a população. Mede-se a renda per capita, mas quem produz é o trabalhador. Foi uma oportunidade perdida no sentido de que poderíamos ter crescido mais do que crescemos. Mas são coisas que não podemos mais mudar. Estamos no fim do bônus demográfico, mas isso em si não nos condena a ser uma economia de tamanho médio. É por isso que insisto no tema da produtividade. Mesmo levando em conta a falta do bônus demográfico, poderíamos ter um crescimento muito mais alto.

Valor: Em que medida a atual desvalorização do real ajuda na recuperação da economia, para além de seus efeitos sobre os custos?

Scheinkman: É sempre muito difícil determinar se o câmbio desvalorizou o suficiente ou demais. Em termos de comércio internacional, o Brasil tem outros problemas além da taxa de câmbio. Obviamente uma taxa adequada de câmbio é melhor, mas não é o que vai nos transformar num país que se beneficia do comércio mundial. Para isso, precisamos de mudanças na lei e na mentalidade.

Valor: Desde 2013, o Brasil se tornou um país mais agitado. Como o senhor, que mora em outro país, vê esse momento?

Scheinkman: Houve aumento da rispidez da discussão política no Brasil, mas acho que não é só um fenômeno brasileiro. A internet, entre outras coisas, favorece um certo discurso bastante ríspido. Há quase uma estética da rispidez. Nos EUA, houve certo acirramento das discussões políticas também. Por exemplo, com o Tea Party. O Brasil está passando por um processo importante. Há razões concretas para frustração no Brasil. O que se está descobrindo sobre a corrupção, por exemplo, leva a população a frustrar-se com o governo e a política.

Valor: O senhor mencionou motivos de otimismo para o Brasil. Quais seriam?

Scheinkman: Falei da baixa produtividade, mas há setores que conseguiram resultados importantes. Um é o agronegócio. O crescimento da produtividade agrícola é maior do que em praticamente qualquer país nas últimas décadas. Como conseguimos isso? Teve a Embrapa, iniciativa governamental para criar tecnologia adequada para a agricultura brasileira. Criaram laboratórios, programas com universidades, e deram a tecnologia para todo mundo usar.

Valor: Alguns economistas afirmam que as causas da crise de 2008 foram apenas contornadas e que, em breve, o mundo vai mergulhar em nova recessão. O senhor concorda?

Scheinkman: A recessão de 2008 foi muito causada pela bolha. Quando estourou, todo o sistema financeiro, nos EUA e na Europa, estava comprometido. É difícil uma economia sofisticada crescer se o sistema financeiro entra em colapso. O estouro da bolha desestruturou o sistema financeiro dos países avançados. Hoje, o mundo está crescendo pouco. A Europa tem problemas graves. Os EUA crescem, mas a uma taxa menor que no pré-2007. Muita gente diz que é o novo normal. O bom da economia americana é que continua sendo muito inovadora. Em 2007, grande parte da indústria de telefonia celular estava na Europa e na Ásia: Nokia, Eriksson, Sony. Hoje, toda a parte que tem valor adicionado, dos softwares, está em empresas americanas: Google e Apple.

 

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