Fonte: Isto é Dinheiro
Aos 60 anos, o engenheiro paulistano Roberto Egydio Setubal, diretor-presidente do Itaú Unibanco, maior banco privado nacional, mostra estar surpreendentemente otimista com o País. A crise que se abateu sobre a economia, diz ele, será longa e dura. Mesmo assim, já é possível ver alguns sinais de recuperação no horizonte em alguns setores, pois os remédios para superar a crise já foram aplicados na economia. E, mais do que isso, nota-se uma melhoria institucional, evidenciada pela Operação Lava Jato. Setubal conversou com a DINHEIRO na segunda-feira 21, dia em que a turbulência na China reduziu o valor de mercado do Itaú Unibanco em mais de R$ 3 bilhões.
DINHEIRO – Turbulência no câmbio, mercados internacionais em queda, economia em retração. É a tempestade perfeita?
ROBERTO SETUBAL – Eu acho que a economia brasileira está em seu pior momento. Fizemos um grande ajuste de preços. Ajustamos tarifas, câmbio e juros, foi uma dose intensa de remédio. A economia vai se recuperar lentamente. Estamos naquele momento em que o paciente sente os efeitos colaterais do medicamento, mas ainda não sente os benefícios, que eu acho que virão. Os ajustes do início do ano deixaram o País mais preparado para enfrentar a crise. E, se olharmos o que aconteceu nestes dias em comparação com outros países emergentes, vimos que o Brasil sofreu menos. O câmbio, nesta semana, reagiu até com mais tranquilidade do que se poderia supor. Creio que o dólar se ajustou prematuramente a um cenário mais difícil. Muito do nosso ajuste foi feito. Essa é uma notícia boa.
DINHEIRO – A crise da China não assusta?
SETUBAL – As questões externas podem dificultar mais ou até ajudar a recuperação, depende do que ocorrer. Estamos querendo saber o que está acontecendo na China, e ninguém sabe direito. Se a economia chinesa apresentar o chamado “hard landing”, isso vai causar alguma instabilidade nos mercados e prejudicar o Brasil. A China tem um peso significativo na economia mundial, e se ela reduzir seu crescimento econômico, nós temos de torcer para que os Estados Unidos comecem a crescer e voltem a ser a locomotiva da economia global. É bom que a crise na China não tenha coincidido com a crise nos Estados Unidos. Se os Estados Unidos se recuperarem, isso pode compensar perfeitamente a queda da China.
DINHEIRO – Como isso se refletirá na economia? As empresas parecem estar muito cautelosas e pessimistas quanto a 2016.
SETUBAL – A preocupação é grande, o pessimismo é geral, mas vejo alguns setores mais animados. Os setores exportadores estão bastante animados com o câmbio. Alguns, como os de celulose, estão vivendo um momento excepcional, a área de alimentos está muito bem, o Brasil vai exportar bastante. Alguns setores, como o têxtil, que competia com os importados, ganharam um respiro. Isso é muito positivo e é por onde eu vejo o início da recuperação. O setor externo vai acabar puxando outros. Alguém investe, compra máquinas, e esse efeito vai se propagando. O importante é entender que o realinhamento de preços da economia como um todo, e o câmbio é o mais importante deles, recoloca o País em uma posição muito mais competitiva e eficiente para retomar o crescimento. Mas é um processo lento, que será sentido de forma diferente, porque o crescimento através da exportação é muito diferente de um crescimento estimulado pelo aumento do consumo. Assim, a população em geral não vai sentir esse crescimento da mesma forma, será um crescimento menos festejado, mas que trará geração de empregos, o que é importante também. Embora a sensação de satisfação não venha a ser a mesma. É a situação do cidadão que passou a ganhar mais dinheiro, mas ele não está gastando mais, ele está pagando dívida. E esse é o ciclo natural, o Brasil não tinha como continuar naquele ciclo de consumo.
DINHEIRO – O banco vem aumentando a exposição internacional. Momentos de crise ajudam ou atrapalham?
SETUBAL – A estratégia continua sendo elevar a presença internacional, basicamente na América Latina, embora nos últimos tempos o cenário tenha mudado bastante, especialmente no quesito regulatório. Antes da crise havia certas vantagens em liquidez e capital que tornavam mais interessante ser um banco global. Muitas dessas vantagens se reduziram bastante. Todos os países da América Latina vão passar por algum tipo de ajuste devido ao ciclo das commodities e isso influencia nossa estratégia.
DINHEIRO – O Itaú Unibanco foi pouco agressivo na disputa pelo HSBC, que foi comprado pelo Bradesco. O negócio não interessava?
SETUBAL – Essa operação do HSBC foi muito discutida aqui no banco. Nos últimos 20 anos, fomos um comprador bastante ativo no mercado financeiro, mas fomos um pouco tímidos nessa oferta, muito em função do que vemos como futuro bancário. Para nós, o desenvolvimento virá muito mais através de contatos digitais do que da rede física de agências. Entre dois e cinco anos, o sistema financeiro deve reduzir o número de agências, especialmente nos grandes centros, como está acontecendo na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia. A expansão será apenas na periferia. Apostamos mais no papel que a tecnologia vai ter daqui para a frente. E a compra do HSBC, na nossa estratégia, poderia atrasar todo o esforço de tecnologia que a gente faria.
DINHEIRO – Transações por celular, por exemplo?
SETUBAL – A grande aposta do setor agora é mobile. O volume de transações tem crescido muito, mas só falta um passo para que elas sejam dominantes, que é a questão da segurança. A questão das fraudes nas compras da internet ainda atrapalha o desenvolvimento, mas isso será resolvido logo, e veremos um crescimento muito rápido.
DINHEIRO – A compra do HSBC pelo Bradesco concentrou ainda mais o sistema financeiro, e essa é uma questão que sempre levanta críticas. A concentração torna mais fácil criticar?
SETUBAL – Eu discordo que o setor seja excessivamente concentrado. Vários países do mundo têm uma concentração semelhante ao Brasil. É o caso da Inglaterra, Austrália, Canadá, Espanha e mesmo França. É uma tendência global que cada mercado tenha quatro ou cinco bancos de varejo relevantes. A ideia de que a redução do número de bancos reduz a concorrência é uma ideia errada. Menos bancos quer dizer bancos mais fortes, que competem mais duramente entre si. Grandes empresas são mais cautelosas, nenhum banco dessa dimensão pode quebrar. É uma competição forte, mas racional, ninguém vai fazer loucura. Outra questão é que poucos setores importantes da economia têm tanta competição quanto o setor financeiro. Basta olhar: operadores de telefonia, alimentos, bebidas, montadoras, varejo, óleo e gás. Não há muitos setores com mais do que cinco ou seis players importantes.
DINHEIRO – A má vontade com o setor permanece, não? Politicamente, os bancos são um alvo que sempre rende dividendos.
SETUBAL – Precisamos discutir isso racionalmente, estando abertos e dispostos ao diálogo. Vamos mostrar os números, ver se há concentração excessiva ou não. Não me parece exagerado o nível de concentração. Hoje o setor tem seis grandes participantes, sendo três estatais e três privados, um deles estrangeiro. Não me parece que uma fusão ou associação entre eles seja possível.
DINHEIRO – O senhor espera essa disposição para o diálogo?
SETUBAL – Sim. Às vezes há um pouco de ideologia por trás, mas no final, no Brasil, a realidade acaba se impondo pela racionalidade. E temos de lembrar de que o governo é o dono de três desses seis grandes bancos. Banco é tão essencial para o desenvolvimento econômico que a saúde e o bom funcionamento do sistema financeiro são condições essenciais para o sistema econômico. Isso, de certa forma, impõe uma racionalidade grande para o setor.
DINHEIRO – A vida do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não tem sido fácil. O senhor está otimista?
SETUBAL – O importante é que estamos na direção certa. Agora, o paciente ainda está com febre alta. O ajuste fiscal tem de ser feito completamente. Acho que seria preferível cortar despesas, pois o setor privado é mais eficiente que o setor público. Se você aumenta os impostos, está reduzindo o espaço do setor privado, então aumenta o espaço para a parte da economia menos eficiente. A redução de despesas seria uma forma de não aumentar essa ineficiência, mas, infelizmente, algum tipo de aumento de imposto deverá haver.
DINHEIRO – A proposta da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) de elevar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os bancos, por exemplo?
SETUBAL – Sim, o aumento da CSLL dos bancos está incluído nisso. Evidentemente que o setor entende a necessidade de fazer o ajuste fiscal e está aqui para dar a sua parcela de contribuição. Mas imposto, o próprio nome já diz, é imposto. É um ônus, é um custo que influencia a formação de preços naquele setor. Quando a gente vê um aumento de imposto na gasolina, inevitavelmente o consumidor paga uma conta mais cara.
DINHEIRO – Uma alta da CSLL será repassada ao cliente?
SETUBAL – Se vamos aumentar o imposto sobre a intermediação financeira, no fim isso também acaba sendo repassado de alguma forma para o consumidor. Infelizmente isso é uma realidade.
DINHEIRO – A cena política está muito aquecida. Como isso atrapalha os negócios?
SETUBAL – O que impacta mais no dia a dia dos negócios é a incerteza. Na medida em que tivermos uma estabilidade no mundo político isso ajudará bastante os negócios. Mas há sinais positivos. Nós demoramos demais para mudar o rumo da política econômica, e a própria presidente reconheceu que demorou para ver o tamanho do problema. Isso é bastante positivo, pois só conseguiremos resolver o problema se entendermos que temos um problema. Enquanto negarmos a existência dele, não vamos resolvê-lo. A presidente reconhecer isso é um passo importante para que a economia entre no rumo de correção. Ela diz ter percebido a dimensão do problema no fim do ano, e que, por isso, convocou o ministro Levy para colocar a economia nos trilhos. E esse não é o principal avanço.
DINHEIRO – Qual seria o maior avanço, então?
SETUBAL – Tivemos uma mudança legal muito importante no Brasil, com a introdução de três leis: a de delação premiada, que foi reformulada, a lei anticorrupção e a lei anti-lavagem de dinheiro. Essas leis criaram um ambiente muito diferente, que permite investigações muito mais profundas, permite apurar fatos e caracterizar crimes de uma forma muito mais clara. Há dez anos, sem essas leis, não seria possível ter uma Lava Jato. Hoje é possível e isso é uma mudança extraordinariamente relevante para o País. Se estivéssemos conversando há dez anos, eu não imaginaria que pudesse haver algo como a Lava Jato. Mesmo se estivéssemos conversando há um ano, eu também acharia muito difícil, apesar de já existir o arcabouço legal. Vejo com grande satisfação a independência da investigação, a independência do Ministério Público e da Polícia Federal. Ninguém pode estar acima de uma investigação. A regra tem de ser clara e tem de valer para todos, é o que o americano chama de “rule of law”. Temos de ter um País em que as instituições, as regras e as leis estejam acima das pessoas. E, nesse ponto, não dá para negar que evoluímos bastante.
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