Há décadas o mercado aguardava uma atualização da Lei de Licitações (8.666/93) que, além de defasada, não garante a transparência nos processos de licitação pública e, tampouco, impede as irregularidades nas contratações e o alto índice de obras inacabadas no país. No último dia primeiro, a Nova Lei de Licitações (14.133/21) foi finalmente sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, o que representa um avanço para o mercado securitário, especialmente para o seguro garantia, obrigatório nas contratações públicas de grande vulto, definidas pelo Art. 6 desta Lei como “obras, serviços e fornecimentos cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais)”.
Entre as principais inovações da lei 14.133 estão a ampliação da cobertura das Garantias Contratuais (Performance), que antes era de até 5% -podendo ser majorado para 10% quando justificado antecipadamente devido à complexidade técnica do risco- e, agora, com a nova lei, poderá chegar a 30% do valor do contrato, e a cláusula de retomada (step-in), que determina que a seguradora deve se responsabilizar pela conclusão do contrato em caso de inadimplemento por parte do contratado. Neste caso, em um contrato de obras ou serviços de engenharia, a seguradora se isenta da obrigação do pagamento da importância segurada prevista na apólice (Art. 102 parágrafo único inciso I). Tais condições têm como objetivo reduzir o alto número de projetos não concluídos no país. Conforme auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas da União[1], as três maiores causas de paralisação dos projetos no Brasil são de ordem técnica (47%), abandono de obras pelos contratados (23%) e questões orçamentárias e financeiras (10%). Juntos, esses três fatores correspondem a 71% em termos de volume de recursos, que geram, como consequência, a falta de infraestrutura básica para a população, como estradas e saneamento.
Além de garantir segurança jurídica, reduzir incertezas e aumentar a capacidade do Brasil de atrair investimento estrangeiro, a Nova Lei de Licitações confere maior responsabilidade às seguradoras, que, no papel de interveniente anuente, participam ativamente dos projetos junto às construtoras. Se antes, com a lei 8.666, as seguradoras se limitavam a analisar o risco de crédito do tomador, agora, com a nova lei, farão uma análise detalhada e técnica de vários fatores que podem culminar em uma obra inacabada. De agora em diante, torna-se ainda mais importante a análise da lisura, além da capacidade técnica e seriedade nas propostas por parte dos licitantes. As seguradoras precisarão ser mais rigorosas durante todas as etapas envolvidas no processo, desde a fase da publicação do Edital, passando pela fase de aquisição de proposta de eventual Tomadores/Clientes, através da análise de crédito e técnica, até a etapa pós-aquisição, quando deverá ser feito o completo acompanhamento do projeto.
Há, contudo, na nova lei, artigos que dividem opiniões, como o 99, que diz que “nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, com cláusula de retomada prevista no art. 102 desta Lei, em percentual equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato”. Neste caso, a palavra “até” pode trazer sérios prejuízos a todos os envolvidos, pois deixa em aberto a escolha do percentual para o Contratante, abrindo espaço para definições ou discussões sobre a proposta da Lei. Destaca-se que, quanto maior a cobertura, maiores as chances de o projeto ser concluído e maior o apetite do mercado segurador em apoiar os proponentes. Por isso a ideia era que, assim como acontece em alguns países desenvolvidos, a cobertura pudesse chegar a 100%. Todavia, inegavelmente, a cobertura de até 30%, apesar de sensível e eventualmente discutível, já representa um significativo avanço legal.
Países bem-sucedidos em termos de contratações prevendo o step in, como os Estados Unidos, nos mostram que o aumento da participação e das responsabilidades para as seguradoras tende a contribuir para o amadurecimento ainda mais rápido do mercado segurador brasileiro, que também está se adaptando a outros avanços em marcos regulatórios, como o do saneamento, no ano passado.
A partir da data da sanção presidencial (1º de abril de 2021) toda a cadeia envolvida nas contratações públicas terá até dois anos para se adequar à nova lei. Durante este período, a adoção do seguro garantia e as novas regras para obras públicas serão facultativas. As companhias de seguro que tiverem o interesse neste novo marco legal deverão se adequar rapidamente à nova realidade e as necessidades impostas. Sem dúvidas, as mudanças resultarão em maior transparência na gestão dos projetos e no fortalecimento do mercado securitário, que passa a desempenhar um papel fundamental e contributivo no apoio ao monitoramento e entrega das grandes obras públicas.
*Henrique Géo Machado é Head de Seguro Garantia da Pottencial Seguradora.
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